08/10/2009

Brad Pitt: "Não há mais espaço para mocinhos no cinema"

O ator diz que só se interessa por papéis que fujam do lugar-comum – como o do aventureiro Percy Fawcett, em um filme que deve trazê-lo ao Brasil no ano que vem
Luís Antônio Giron, de Los Angeles

O ator Brad Pitt, de 45 anos, um dos mais assediados do mundo por jornalistas de escândalo e paparazzi, tem um esquema especial para dar entrevistas: fica isolado e quase inacessível. Pessoalmente, Pitt tem a aparência de um adolescente tardio. Concedeu esta entrevista a ÉPOCA vestido com uma camiseta branca larga, uma calça cáqui e um boné branco. Apesar de estar um pouco mais gordo que o normal, tem a pinta de galã de sempre, dá risadas e é atencioso. Anda pela sala, toma água mineral com gelo e limão e pensa demoradamente em cada pergunta, um traço de temperamento que ele fez questão de levar para o personagem Benjamin Button, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. O sotaque meio arrastado, meio caubói, ele usou para construir o tenente Aldo Raine, protagonista do filme Bastardos inglórios, de Quentin Tarantino.

Aldo é um personagem de comédia, apesar de ambientado num dos maiores dramas coletivos da história. Pitt se sentiu atraído por ele justamente porque é um tipo extraordinário. “Não gosto de fazer o que os outros atores fazem”, diz. “Se é para fazer igual, deixo outros fazer.” Pitt também tem a ambição de fazer diferença em outra área: arquitetura. Está construindo sua casa ideal num terreno em Pasadena, perto de Los Angeles, onde mora com Angelina Jolie e seis filhos (por enquanto). “Minha paixão é construir”, diz. “E quero cada vez mais fazer isso. Projetos de arquitetura me dão alegria.”

Nesta entrevista, feita no 15º andar do hotel Four Seasons de Beverly Hills, Pitt conta como foi trabalhar com diretores visionários, como cria seus papéis e por que quer conhecer o Brasil, em especial a Amazônia. Ele já iniciou a produção do longa-metragem A cidade perdida de Z (The lost city of Z). O filme é baseado no livro homônimo de David Grann sobre o coronel Percy Harrison Fawcett (1867-1925), aventureiro britânico que morreu na selva amazônica caçando tesouros. E adivinhe quem vai interpretar Fawcett? Ele próprio. “Nos vemos no Brasil!”, disse Pitt, ao final da conversa.

ENTREVISTA – BRAD PITT


QUEM É
Nasceu em 18/12/1963, em Shawnee, Oklahoma. Tem 1,80 metro. Desde 2005, vive com Angelina Jolie. O casal tem seis filhos, três adotivos

ONDE ESTUDOU
Formou-se em jornalismo. Estudou arquitetura com Frank O. Gehry

O QUE FAZ
Em 22 anos de carreira, foi indicado duas vezes ao Oscar. É sócio majoritário da produtora Plan B Entertainment


ÉPOCA – Houve um rumor de que você estava no Brasil, no início do ano, filmando as aventuras do Fawcett. É verdade?
Brad Pitt – Não! Quem te disse isso? Nunca fui ao Brasil e estou louco para conhecer o país, em especial a Amazônia. Sei que a vida lá é dura, e a selva está sendo destruída. Ainda não tenho data para viajar. A história de Fawcett é maravilhosa, uma tragédia na selva. Ainda estamos em pré-produção. Devo ir ao Brasil no ano que vem, e o filme não sairá até 2011.


ÉPOCA – Você está em negociações com (o diretor) Fernando Meirelles?
Pitt – Sim, Fernando é um grande amigo meu, e estamos constantemente falando sobre trabalhar juntos. São algumas ideias que ainda não posso revelar. Mas é um velho sonho trabalhar com ele. Um grande diretor.


ÉPOCA – Qual é o filme de Meirelles de que você mais gosta?
Pitt – Gosto da obra toda: Cidade de Deus me impressionou, assim como Ensaio sobre a cegueira. Mas meu filme favorito de Fernando é O jardineiro fiel, porque conta uma história forte em que a indústria dos medicamentos está envolvida. É uma denúncia importante. Além disso, Fernando é um mestre da câmera.


ÉPOCA – Você continua apaixonado por arquitetura e design?
Pitt
– É meu grande barato. Até pouco tempo atrás, meus projetos de casas e objetos serviam como válvula de escape do meu trabalho como ator e produtor. Hoje em dia, estão cada vez mais no centro do meu interesse. Pretendo trabalhar cada vez mais nisso. Tenho um escritório em Los Angeles, com dois sócios, e estamos com vários projetos em andamento.


ÉPOCA – Você conhece a obra de Oscar Niemeyer?
Pitt – Sim, ele já é um clássico da arquitetura, um gênio com quase 102 anos. Adoraria conhecê-lo, quem sabe consigo falar com ele no Brasil. É um dos modelos dos projetos contemporâneos. Tenho alguns projetos para a Espanha, quem sabe eu consiga participar do trabalho mais recente de Niemeyer, que é lá.


ÉPOCA – Você mantém contato com Frank O. Gehry (arquiteto canadense pós-moderno que projetou o Museu Guggenheim de Bilbao)?
Pitt
– Sim, ele é meu amigo e conselheiro. Ontem mesmo estava na cabine de Bastardos Inglórios, foi me prestigiar e batemos um bom papo.


ÉPOCA – Como está a construção de sua casa?
Pitt
– É a casa dos meus sonhos. Trabalho nela quando posso, num terreno aqui perto. Não se trata só de um projeto meu. Desenhei a casa inteira e também toco a obra. Adoro construção. A ideia é dar condições de vida mais confortáveis para a família. Temos seis crianças, e é importante acomodá-las numa casa ampla.



ÉPOCA – A arquitetura o ajudou a fazer cinema?
Pitt
– Sim, principalmente na noção de conjunto e planejamento. Repare em Bastardos inglórios: é um filme arquitetonicamente concebido, com cinco capítulos aparentemente dissociados. Só a noção de conjunto pode revelar sua magia. A composição de um projeto de design ou arquitetura é mais ou menos a mesma que usamos na produção de um filme ou na criação de um personagem. É preciso saber exatamente até onde vai o projeto. No caso de um personagem, é preciso saber se ele se sustenta sozinho (risos).


ÉPOCA – Por que você gosta de personagens excêntricos, como Aldo Raine?
Pitt
– Não gosto de fazer o que outros atores fazem. Se é para fazer igual, deixo que outros façam. Eu me esforço para inovar, ser diferente e buscar papéis que me envolvam. Não suportaria conviver com um personagem banal, tipo galã, por dois ou três meses. Gosto de personagens que me desafiem, que me façam inventar algo, contribuir para a galeria dos tipos humanos.


ÉPOCA – Você parece lutar contra a imagem de superastro e dos papéis que habitualmente os superastros têm. Isso é consciente?
Pitt – Não sei se luto contra. Na realidade, não tenho paciência para o lugar-comum. Se me quiserem, é assim que eu sou. Não adianta criar em cima de mim um galã antigo de cinema, isso, aliás, já passou. Não há mais espaço para mocinhos no cinema. Tudo mudou, até mesmo Hollywood. Hoje querem personagens mais complexos.


ÉPOCA – Qual é seu segredo para criar um personagem?
Pitt – Não tenho segredo. Preciso estudar o roteiro, aprovar a história e me sentir bem com o personagem que vou criar. Em geral, não crio nada, vou é na cola dos diretores. Não tenho essa pretensão de “construir personagens”. O bom roteiro traz tudo o que você precisa para interpretar um papel.


ÉPOCA – Trabalhar com Quentin Tarantino é um processo difícil? Você criou ou improvisou algo? Aquele sotaque de caubói?
Pitt
– Nada disso. O Quentin não quer que ninguém improvise. Ele obriga todo mundo a trabalhar estritamente segundo o roteiro. Eu queria ter improvisado, mas ele não deixou (risos). Aldo está inteirinho no roteiro, em cada fala. Porque tudo é milimetricamente projetado nos filmes de Tarantino. É só seguir.


ÉPOCA – Você riu durante as filmagens?
Pitt – O tempo todo! Trabalhei rindo. Meu personagem é muito engraçado, assim como o filme inteiro.


ÉPOCA – Como você analisa Bastardos Inglórios?
Pitt – É um filme hilariante, que faz com que cenas de escalpo e torturas soem fantásticas. É um Tarantino de primeira ordem, porque nada ali é real ou pretende ser real. É como uma alegoria às avessas: em vez de fazer da resistência ao nazismo uma fábula ou um exemplo edificante para a humanidade, Quentin se vinga dos nazistas numa espécie de filme de propaganda para um público que não existiu nem nunca existirá. É uma fantasia de propaganda, vamos dizer assim, porque ele usa dos mesmos métodos que Joseph Goebbels usou em seus filmes. O resultado é comédia total. Quentin bastardiza a história.


ÉPOCA – Você trabalhou com muitos outros cineastas visionários, como David Fincher, Terry Gilliam e Ridley Scott. Você os escolhe ou é escolhido?
Pitt
– As duas coisas. Cinema é o resultado do projeto de um diretor. Hoje não há como um ator tentar impor sua vontade. Os realizadores são os autores. Daí eu preferir os visionários aos banais. Adorei trabalhar com Tarantino e sou amigo pessoal e vizinho aqui em Hollywood de David Fincher, com quem já fiz três filmes. É deles que tudo deve partir, inclusive as ordens para o elenco. Procuro segui-las o mais fielmente possível.


ÉPOCA – Não ocorrem atritos?
Pitt – Claro, mas nada que não se resolva numa troca de ideias. Procuro mais colaborar que polemizar. Sou um cara pacífico (risos).


ÉPOCA – O que você aprendeu com eles?
Pitt
– Quase tudo o que sei de cinema aprendi com esses diretores. E cada um traz uma contribuição diferente: Terry (Gilliam) abriu as portas do improviso e da beleza das formas e cores. David Fincher me trouxe mundos psíquicos que eu sozinho não poderia imaginar. Quentin Tarantino me ensinou a não dormir durante as filmagens! Ele me proibiu de fazer a soneca de 20 minutos depois do almoço, algo sagrado para mim. Bem, aprendi, mas agora voltei a dormir.


ÉPOCA – O que representou para você interpretar Benjamin Button, além de ter sido indicado ao Oscar pelo papel?
Pitt – Foi um trabalho desafiador e estimulante. David Fincher trabalhou com meu personagem com vários tipos de máscaras feitas com alta tecnologia. E assim eu tinha de me render à disciplina técnica de um lado e, de outro, buscar a verossimilhança em um personagem que rejuvenesce. Mas o que mais me valeu foi a lição de vida do filme: a gente precisa se divertir, amar e fazer coisas de que gosta porque a vida é curta.


ÉPOCA – Você ainda tem alguma ambição como ator, o sonho de atuar no palco?
Pitt
– Atuar é minha vida, uma das coisas de que mais gosto de fazer. Sinto que estou construindo algo para que meus filhos continuem a se orgulhar de mim. Não quero que eles tenham vergonha do que faço. Então me esforço para pegar papéis bacanas. Ainda tenho muita coisa para trabalhar. Quero interpretar papéis que venham a fazer diferença. Papéis cada vez mais ambiciosos, eu diria, se isso não parecesse presunçoso. É engraçado, mas nunca pensei em trabalhar em teatro. Nem quero. Teatro está fora do que faço.


”Quero interpretar papéis que façam diferença. Papéis
ambiciosos, eu diria, se isso não parecesse presunçoso”


ÉPOCA – Por quê?
Pitt – Talvez porque eu não me envolva tanto assim com os personagens como fazem os atores de teatro, aquela forma visceral não é para mim. Sou mais sossegado. Gosto de montar o personagem e vê-lo pronto em um filme. É o suficiente.


ÉPOCA – E como é produzir filmes?
Pitt
– Fascinante. É como trabalhar em um projeto. Eu aposto em desafios. E hoje existe mais oportunidade para quem realiza filmes mais ousados e independentes, como faz minha produtora.


ÉPOCA – Depois de tantos anos trabalhando no show business, o que ainda o irrita e que aspecto melhorou?
Pitt – Nunca briguei em Hollywood nem entrei em confronto com qualquer estúdio. Isso porque tenho consciência da necessidade que os estúdios têm de vender filmes, de conquistar mercados e ganhar público. Então nunca houve de minha parte nenhuma revolta autoral. Sobre as coisas de que não gostava, tratei de conversar. Hoje, com a crise econômica, os estúdios estão mais simpáticos a trabalhos de coprodução. Até porque eles não têm outra opção. Isso tem dado chance a realizadores mais experimentais.


ÉPOCA – Hollywood nunca aprovou atrevimentos estéticos...
Pitt
– É verdade, mas as coisas mudaram. O que está em jogo hoje é o cinema como mercado. Só a inovação e a experimentação podem salvar a indústria. Antigamente, os estúdios davam as costas para isso. Agora, apostam em projetos financeiramente modestos, porém ousados do ponto de vista artístico. O cinema deverá mudar muito nos próximos dois anos. A gente vê superproduções de Hollywood inimagináveis há dois anos.

ÉPOCA – Você disse tempos atrás que se casaria legalmente com Angelina Jolie caso o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse aprovado nos Estados Unidos. Você ainda pensa assim?
Pitt
– Sim, e cada vez mais eu e Angelina vamos falar mais alto e defender os direitos que os seres humanos têm de viver juntos e felizes. Ninguém deve se meter na vida sexual dos outros. Quem sou eu para opinar sobre o amor de outras pessoas? A vida ja é tão difícil sem esse tipo de amarra...


ÉPOCA – Você acredita que o casamento gay será aprovado no governo Obama?
Pitt
– O governo americano deverá encontrar uma instância específica para isso. Talvez pelo Poder Executivo. Obama é uma parte da história. O que vemos hoje nos Estados Unidos é um apelo popular para a aprovação do casamento gay. Estaremos prontos para defender esse direito.


Créditos: Angel Jolie

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